quinta-feira, 20 de maio de 2010

É proibido achar!

   Chego em casa à noite, exausto. A mesa vazia. Nada sobre o fogão. Nem no
forno. Nem na geladeira. Não há jantar. Pior! Os ovos, sempre providenciais,
acabaram. Sou forçado a me contentar com um copo de leite e bolachas. No dia
seguinte, revolto-me diante da empregada.


— Passei fome!


— Ih! Achei que o senhor não vinha jantar!


   Solto faíscas que nem um fio desencapado ao ouvir o verbo “achar” em
qualquer conjugação. É um perigo achar. Não no sentido de expressar uma
opinião, mas de supor alguma coisa. Tenho trauma, é verdade! Tudo começou
aos 9 anos de idade. Durante a aula, fui até a professora e pedi:

-  Posso ir ao banheiro?

   Ela não permitiu. Agoniado, voltei à carteira. Cruzei as pernas. Cruzei de
novo. Torci os pés. Impossível escrever ou ouvir a lição. Senti algo morno
escorrendo pelas pernas. Fiz xixi nas calças! Alguém gritou:

— Olha, ele fez xixi!


   Dali a pouco toda a classe ria. E a professora, surpresa:
— Ih... eu achei que você pediu para sair por malandragem!

   Vítima infantil, tomei horror ao “achismo”. Aprendi: sempre que alguém
“acha” alguma coisa, “acha” errado. Meu assistente, Felippe, é mestre no
assunto.


— Não botei gasolina no carro porque achei que ia dar! — explica, enquanto
faço sinais na estrada tentando carona até algum posto.

   Inocente não sou. Traumatizado ou não, também já achei mais do que devia.
Quase peguei pneumonia na Itália por supor que o clima estaria ameno e não
levar roupa de inverno. Palmilhei mercadinhos de cidades desconhecidas por
imaginar que hotéis ofereceriam pasta de dente. Deixei de ver filmes e peças
por não comprar ingressos com antecedência ao pensar que estariam vazios.


   Fiquei encharcado ao apostar que não choveria, apesar das previsões do
tempo. Viajei quilômetros faminto por ter certeza de que haveria um bar ou
restaurante aberto à noite em uma estrada desconhecida.


   Há algum tempo vi um livro muito interessante em um antiquário. Queria
comprá-lo. Como ia passar por outras lojas, resolvi deixar para depois.


— Ninguém vai comprar esse livro justo agora! — disse a mim mesmo.

Quando voltei, fora vendido. Exemplar único.

— O senhor podia ter reservado — disse o antiquário.


— É, mas eu achei...


   Mas eu me esforço para não achar coisa alguma. Quem trabalha comigo não pode
mais achar. Tem de saber. Mesmo assim, vivo enfrentando surpresas. Nas
relações pessoais é um inferno: encontro pessoas que mal falavam comigo
porque achavam que eu não gostava delas. Já eu não me aproximava por achar
que não gostavam de mim! Acompanhei uma história melancólica.


   Dois colegas de classe se encontraram trinta anos depois. Ambos com vida
amorosa péssima, casamento desfeito. Com a sinceridade que só a passagem do
tempo permite, ele desabafou:


— Eu era apaixonado por você naquela época. Mas nunca me abri. Achei que
você não ia querer nada comigo. Ela suspirou, arrasada.

— Eu achava você o máximo! Como nunca se aproximou, pensei que não tinha
atração por mim!

   Os dois se encararam arrasados. E se tivessem namorado? Talvez a vida deles
fosse diferente! É óbvio, poderiam tentar a partir de agora. Mas o que fazer
com os trinta anos passados, a bagagem de cada um?


   Quando alguém me diz:

— Eu acho que...


   Respondo:


— Não ache, ninguém perdeu nada.

   Adianta? Coisa nenhuma! Vivo me dando mal porque alguém achou errado! Sempre
que posso, insisto:


— Se não sabe, pergunte! É o lema que adotei: melhor que achar, sempre é
verificar!


Walcyr Carrasco

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